Arquivo diário: 17/06/2024

Review da temporada 2023/2024 – Visão geral e Victor Wembanyama

Por Matheus Gonzaga, do Bandeja de 3*

Parecer geral

O recorde do San Antonio Spurs na temporada 2023/2024 foi o mesmo da temporada 2022/2023 – 22 vitórias e 60 derrotas. Porém, o parecer ao fim dos 82 jogos não poderia ser mais diferente. Se no ano passado (ao menos até o dia da loteria do Draft) as ideias de conseguir um rumo bem definido para a franquia, ter um plano concreto para retornar à competitividade e encontrar um nome para ser o principal jogador do time eram ainda dúvidas, hoje isso tudo está resolvido – graças a Victor Wembanyama. Ainda que os resultados em quadra não tenham vindo de imediato, o mais difícil já está feito – encontramos um jogador fantástico capaz de trazer San Antonio de novo à briga na NBA.

Dito isso, existe uma infinidade de problemas a serem resolvidos: elenco fraco, falta de evolução de alguns jogadores, decisões técnicas questionáveis… É claro que existe um motivo para a franquia texana ter vencido apenas 22 partidas. Para além de Wemby, não há tanta coisa que realmente funcione bem na equipe ou muitos nomes confiáveis pensando no futuro do time. Nesta série, vamos discutir os principais aspectos do jogo do alvinegro e de cada um de seus jogadores, destacando seus pontos fortes e fracos e como podem se encaixar no futuro do Spurs. Ao fim, também trarei minha visão sobre o que podemos esperar do time no draft, na free agency e no mercado de trocas e quais movimentos acredito que façam ou não sentido para San Antonio.

O time

Apesar do mesmo recorde, em termos competitivos o Spurs de 2023/2024 foi bastante superior ao de 2022/2023. Se na temporada anterior tivemos um net rating (saldo de pontos por 100 posses) de -9,9 (pior da liga, com sobras), neste ano o número foi de -6.3 (“apenas” o sétimo pior). O motivo para essa melhora foi a evolução defensiva da equipe – deste lado da quadra, o desempenho subiu da pior marca da liga (120,9 DRTG) para a 21ª posição (116,7 DRTG). Ofensivamente, na realidade, a equipe piorou – o ORTG foi de 110,9 em 2022/2023 para 110,4 em 2023/2024. O motivo do mesmo recorde é o desempenho em jogos apertados – na temporada anterior, o time de Popovich venceu 11 dos 28 jogos decididos por cinco pontos ou menos (aproximadamente 40% de aproveitamento). Neste último ano, o recorde foi de 13 vitórias em 41 jogos “clutch” (30% de aproveitamento). San Antonio competiu até o fim em metade dos jogos da temporada, mas deixou a desejar nesses momentos.

Agora, vamos destrinchar os principais aspectos do jogo do Spurs em cada um dos lados da quadra:

O ataque

O ataque de San Antonio foi tenebroso em média, é claro. Mas sua qualidade não foi constante ao longo da temporada – houveram oscilações e tendências relevantes que o gráfico abaixo ajuda a entender:

A equipe se tornou muito melhor durante a temporada do que era no começo. E isso está muito relacionado às mudanças no time. Até meados de dezembro, Jeremy Sochan era o suposto armador do time, em um experimento que se provou desastroso. Daí para frente, a equipe foi melhorando e conseguindo resultados melhores com a mudança de Victor Wembanyama para a posição de pivô. De fevereiro para frente, porém, o ataque voltou a cair, mas muito longe de ser em um nível tão ruim como era no começo da temporada. 

O Spurs, no todo, foi tenebroso ofensivamente (26º ORTG) e em todos os quatro fatores ofensivos (eFG%, TOV%, ORB%, FTRate), estando entre as posições 23 e 26 da liga em cada um deles. Porém, se pegarmos os dados a partir de 4 de janeiro (quando o Tre Jones se tornou titular e Zach Collins já estava no banco), os números sobem para o 23º ORTG (111,8) com a 19ª eFG%, 15ª ORB% e 20ª FTR, marcas que ainda que ruins, são consideravelmente melhores que as do período anterior. Já a TOV% foi ainda pior, se tornando a número 27 da liga.

Uma virtude ofensiva do Spurs foi o perfil de arremessos escolhido – utilizando os dados de 4 de janeiro para a frente, San Antonio teve a terceira maior eFG% esperada da NBA (basicamente, qual seria a expectativa de eficiência ofensiva se a equipe chutasse um aproveitamento médio de cada local da quadra). Isso é um sinal de que o alvinegro está gerando arremesso nos locais mais valiosos: nesse período, fomos o segundo time que mais gerou arremessos no aro (a região mais valiosa da quadra – 36% dos arremessos tentados foram nessa área), e o segundo que menos arremessou de meia distância (a região menos valiosa). Especialmente na meia distância longa, apenas 6,4% dos arremessos foram dados dessa distância.

A eficiência porém, foi muito ruim – ainda que o Spurs gere muitos arremessos no aro adversário, temos apenas o 21º melhor aproveitamento na região. Na bola de 3, fundamento em que o volume é mediano, o aproveitamento está entre os 5 piores da liga. Os arremessos gerados em geral não são ruins – mas os jogadores não conseguem convertê-los.

Um outro ponto relevante é a capacidade do time em jogar na transição – cerca de 21,1% dos arremessos dados pela equipe são nessa situação (onde o ataque tende a ser mais eficiente). Isso é crucial, especialmente quando os jogadores não são capazes de converter arremessos complicados. Ainda que a eficiência na transição do time seja apenas a 19ª da liga, essas jogadas adicionam muito valor (ORTG do Spurs nelas é de 126,1, contra 95,1 na meia quadra).

Em termos de jogadas executadas, SAS é um dos times que mais finaliza pick and rolls com o roll/pop man, o 7º que mais arremessa de spot ups e que mais usa handoff e o sexto que mais usa cortes para a cesta. Por outro lado, trata-se do time que menos usa de isolação em toda a liga, e de um dos que menos usa ações offscreen (o que faz sentido, considerando a falta de arremessadores competentes).

Além disso, é um dos times que mais utiliza do cotovelo do garrafão como hub para passes, o sétimo time que mais passa a bola e o time que percorre a maior distância ofensivamente na NBA (em geral, um indício de muita movimentação sem bola). Por outro lado, é um dos times que menos tenta jump shots saindo do drible e o com o maior percentual de arremessos assistidos.

Todos esses números nos passam um perfil de uma equipe composta por jogadores incapazes de criar arremessos, que precisam de jogadas coletivas para gerar situações de vantagem – e o time até é decente fazendo isso. Entretanto, mesmo assim, os atletas são incapazes de converter esses arremessos criados.

A defesa

Defensivamente, a temporada do Spurs é uma história de evolução. A cada segmento da temporada, a defesa de San Antonio foi melhorando mais e mais. Se no começo do ano ela era ainda pior do que a terrível de 2022/2023, ela terminou com marcas excelentes, de um time defensivo realmente acima da média da NBA. Por mais que exista uma série de motivos que justifiquem essa evolução, o principal sem dúvida alguma é a mudança de posição de Victor Wembanyama para pivô – e o aumento de sua minutagem ampliou a escala dessa impacto.

Se pegarmos os números após essa mudança (08/12), o Spurs foi a 15ª melhor defesa da liga (exatamente o time mediano), tendo cedido o 17º menor EFG% para adversários, a 18ª taxa de rebotes ofensivos e a terceira menor taxa de lances livres – o time é excelente em não fazer faltas! Entretanto, a taxa de turnovers criada foi só a 25ª da liga.

A partir desse período, há também uma dificuldade de evitar que os adversários cheguem no aro – o Spurs cede a 6ª pior taxa de finalizações no aro na liga. Isso até é justificável nos minutos com Wemby, um protetor de aro espetacular, em quadra (no geral, o Spurs cede o 9º menor aproveitamento perto da cesta). Mas nos demais minutos, é suicídio. A ideia defensiva de San Antonio é não ceder bolas de 3 – e realmente, é um dos times que menos permite tentativas de 3 pontos dos adversários. Mas essa matemática não tem fechado muito bem – especialmente porque os adversários têm o sexto maior % de acerto de bolas de 3 fora da zona morta contra o time do Texas. Claro que parte disso é incompetência defensiva, mas, em geral, aproveitamento de 3 dos adversários está muito ligado à sorte.

Outro ponto interessante é a capacidade defensiva na transição – o Spurs tem a 11ª melhor eficiência defensiva quando os adversários estão em ataque de quadra inteira.

Em termos de defesa em lances específicos, o Spurs é um dos times que menos enfrenta jogadas de isolação (indicador de que é um time que evita muito trocar a marcação) e um dos que mais permite que adversários finalizem no pick and roll, seja com o ball handler ou o roll man (cedendo um aproveitamento bastante alto), além de ser terrível contra handoffs (isso pode indicar uma dificuldade dos jogadores de perímetro da equipe em navegar por corta-luzes). A equipe também é terrível enfrentando spot ups (algo que envolve sim o azar com jump shots, mas indica também falhas na rotação defensiva).

No geral, existe um certo azar defensivo da equipe, e, nos minutos de Wembanyama, o time tem jogado muito bem nesse lado da quadra (o esquema funciona nesses minutos). O problema principal é a falta de pessoal defensivo na segunda unidade, bem como alguns pontos fracos na defesa de perímetro no time titular.

O elenco

Nesta série, vamos destrinchar o elenco do Spurs, falando sobre cada jogador com minutos relevantes na temporada. Vamos, é claro, ser mais detalhistas na análise de Victor Wembanyama, por ser o jogador mais importante, e falar mais de nomes como Devin Vassell e Jeremy Sochan do que de Blake Wesley. 

Devonte Graham e Sandro Mamukelashvili tiveram no total uma minutagem decente, mas como quase toda ela foi no fim da temporada, em que a maioria dos jogos é um garbage time estendido, não vou falar sobre eles. 

Sem mais delongas, vamos às análises.

Victor Wembanyama

Não é preciso trazer dados ou fazer uma análise aprofundada para tirar conclusões sobre Victor Wembanyama – o francês é um talento geracional, com potencial de se tornar um dos maiores jogadores da história da liga. Já apresenta um impacto espetacular e é um astro na NBA. Qualquer um que entenda um pouco de basquete consegue ver isso. Porém, por meio de dados e uma análise mais aprofundada, conseguimos entender mais detalhes de como Wemby afeta o jogo, quais os pontos em que ele já é dominante e onde ele pode melhorar para alcançar seu teto.

Obviamente, seu maior impacto é na defesa, onde ele já é um dos melhores, se não o melhor, jogador da liga. O Spurs sofre 114,2 pontos por 100 posses com o francês em quadra (marca ligeiramente acima da eficiência defensiva média da liga), contra 119,4 em sua ausência (marca que seria a quinta pior defesa da NBA). Considerando apenas os minutos com Wemby jogando de pivô, a eficiência defensiva do Spurs é ainda melhor – 113,2 pontos cedidos por 100 posses, marca que seria uma das dez melhores da liga. Com todo esse impacto na defesa da equipe, métricas de impacto, como o EPM, o colocam altíssimo em seus rankings – o francês, por exemplo, esteve no top 10 em EPM defensivo na temporada.

Ainda que também apresente capacidade de defesa no perímetro (inclusive com a segunda maior marca de roubos de bola entre pivôs na temporada), Wembanyama tem como sua melhor característica defensiva a proteção de aro. Todos sabemos dos recordes de tocos, mas Victor, além disso, é um dos jogadores que mais contestou arremessos no aro na temporada (8,3 por jogo), cedendo aproveitamento de 53.6% para os adversários, marca absolutamente de elite (os únicos jogadores com volume semelhante de contestação que tiveram aproveitamentos cedidos melhores foram Rudy Gobert, Kristaps Porzingis e Chet Holmgren).

Em termos de jogadas defendidas, Wemby não foi um grande defensor no post ou mesmo na cobertura do pick and roll, mas suas marcas estão longe de ser ruins. Portanto, seu maior talento é de fato a rotação para contestar arremessos.

No outro lado da quadra, o desempenho do francês é menos impressionante, mas chega a ser ainda mais fascinante. Parte do que torna Wembanyama tão geracional é seu conjunto pouco usual de habilidades ofensivas – um jogador gigantesco que é capaz sim de ser uma ameaça absurda em ponte aérea e com certa habilidade no post, mas também um arremessador em desenvolvimento, um passador de bom nível e um potencial criador – com boa capacidade de driblar e infiltrar.

Em números, Wemby não foi lá muito eficiente pontuando – especialmente para um big (56,5 de TS%, uma marca levemente abaixo da média da NBA), e o Spurs não foi tão melhor assim com ele em quadra (111,2 de ORTG com Wemby x 109,8 sem – ambas marcas bem ruins). Mesmo considerando apenas seus minutos como pivô, ainda que haja uma melhora a eficiência ofensiva, continua ruim (112,7). Claro, isso diz mais sobre o elenco do Spurs que sobre Victor, mas mostra que ele não consegue sozinho elevar o ataque tal como consegue com a defesa. O EPM, que tenta isolar a responsabilidade de cada jogador no sucesso/fracasso do time, coloca Wemby como um jogador +1.0 ofensivamente, marca que indica um bom jogador nesse lado da quadra, mas não uma estrela.

Acho que essa é a melhor descrição para o jogador que Wemby é ofensivamente hoje – trata-se de um finalizador no aro de alto nível (70% de aproveitamento em volume relativamente alto – são quase seis tentativas por jogo), um roll man acima da média (mesmo considerando pick and pops conjuntamente), um bom (não ótimo) reboteiro ofensivo, uma arma letal na transição e um jogador bastante ativo cortando para a cesta.

Porém, no sistema do Spurs, Victor é a estrela do show, e ele faz muito mais que isso – algo que considero certo e importante para seu desenvolvimento. Mas ele não é tão bom (ainda) em várias dessas coisas: o novato comandou 2,5 pick and rolls por jogo (marca gigantesca pra um big), mas teve eficiência apenas no percentil 30% da liga, além de ter tido péssima eficiência no post. Além disso, foi horrível chutando de floater range e mid range, e, claro, tem um arremesso de 3 muito inconsistente.

A bola de 3 é um tópico de relevância à parte – seu volume foi alto, mas seus 32,5% de eficiência são ruins. Curiosamente, o francês chutou apenas 28% de situações de catch and shoot (teoricamente mais fácil), enquanto acertou 38% de suas tentativas do drible (em um volume considerável, de mais de duas tentativas por jogo). Em geral, contestação também não influenciou tanto no desempenho – o calouro chutou 34% livre e 32% levemente contestado (em poucas tentativas muito contestado, o aproveitamento foi de 27%). A capacidade de chutar 34% livre é já útil para um pivô como aspecto complementar de jogo. Mas no volume e dificuldade que o jovem astro mostra querer arremessar, sua habilidade tem que melhorar bastante.

Há também suas nuances enquanto passador – dar 3,9 assistências por jogo sendo um pivô é bastante coisa, mas seus 3,7 turnovers são demais. Wembanyama está muito longe de ser capaz de ser um point center ou um criador central para os companheiros atualmente.

No geral, no lado ofensivo, Wemby já é capaz de fazer muito bem todo o básico de um pivô na NBA, além de mostrar flashes de habilidades mais difíceis, especialmente em criação de arremesso (com seu bom aproveitamento em bolas de 3 do drible e especialmente com seu jogo de mano a mano, onde sua eficiência já está acima da média da liga). Porém, existe ainda muito o que se desenvolver para que ele se torne um #1 ofensivo de um time bom (algo totalmente normal para um jogador de 20 anos, e eu acredito que ele irá de fato desenvolver essas habilidades, considerando sua curva de evolução absurda).

Victor Wembanyama é um talento absolutamente geracional, e a sua simples presença torna San Antonio um dos times com futuro mais promissor da NBA. Se sozinho, em seu primeiro ano, ele já elevou a defesa do Spurs de uma unidade horrível sem ele em quadra para um time acima da média em seus minutos, imagine com sua evolução e com defensores melhores ao seu redor? Ofensivamente, ele já é uma peça extremamente útil e com flashes de dominância, apesar de apenas ter 20 anos…

No restante da série, falarei de muitos defeitos e de falta de qualidade do elenco – de verdade, não acredito que a maioria das peças seja boa o bastante. Mas lembrem-se, o Spurs já tem o principal – um franchise player muito jovem que é já é uma estrela da liga, tendo potencial para ser ainda muito mais. O restante dá para corrigir.

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Parte 2 – O Elenco

Parte 3 – O Futuro